O Habeas Corpus 143.641, concedido recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), deu liberdade a todas as mães presas preventivamente por crimes que não envolvessem violência ou graves ameaças. O HC coletivo, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, beneficia mulheres grávidas, lactantes e mães de crianças até 12 anos incompletos ou, ainda, de portadores de deficiência que estivessem sob sua guarda.
A decisão do HC coletivo gerou diversas questões em relação ao ordenamento jurídico. Entre os pontos citados, o Art. 318 do Código de Processo Penal que prevê a prisão nessas situações. Entretanto, o caput do artigo traz a palavra poderá: o juiz poderá conceder a prisão domiciliar. A política de encarceramento, tão vigente no Brasil, criou um histórico punitivista à maioria das mulheres com as características citadas anteriormente.
No entanto, advogados membros de comitês de Direitos Humanos ingressaram com ações para garantir o Habeas Corpus a essas mães. Em contrapartida, outros órgãos veem a decisão do STF com ressalvas. O Ministério Público Federal se manifestou contrário ao HC por entender que o Art. 318 não trata de um direito subjetivo automático, já que demanda uma análise criteriosa de cada caso.
Para o MP, uma concessão em âmbito coletivo não iria individualizar e, também, não iria determinar quais eram as pacientes que poderiam ser atendidas por esse Habeas Corpus.
HC coletivo foi para o STF
Quanto à competência, o ministro Lewandowski entendeu que caberia ao STF o julgamento porque pedidos semelhantes já haviam sido apresentados ao STJ. Em todas as ocasiões, o órgão se posicionou contrário ao HC. Havia também no STJ uma discrepância muito grande sobre a interpretação Art. 318. Por isso, então, caberia ao STF a análise do artigo sob a ótica da Constituição.
Em relação à alegação do MP, o ministro entendeu que essa questão já estaria superada pelo relatório apresentado pelo Departamento Penitenciário (Depen), responsável por relacionar e especificar a situação de cada uma das mulheres. Antes de analisar o Habeas Corpus, o ministro também requereu ao Departamento um detalhamento sobre as possíveis instituições prisionais que dariam suporte a essas mulheres.
O ministro lembrou, ainda, que cada vez mais o STF tem acompanhado as Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) e os mandados de injunção coletivos. Só que, para ele, esses institutos não seriam aplicados ao caso, pois eles são muito restritos. O Supremo defende que por se tratar de direito fundamental e direito individual, o Habeas Corpus socorre porque é mais maleável e uma decisão em âmbito coletivo poderia abarcar toda uma parcela da população que sofre pelo mesmo problema.
Presídios oferecem situação precária às mulheres
A realidade apresenta dados perturbadores. O Infopen Mulheres realizado em junho de 2017 pelo Depen apontou que entre 2000 e 2014 a população carcerária feminina cresceu 567%. Apesar do crescimento no número de detentas, não ocorreu melhorias consideráveis na infraestrutura das instituições.
Entre as mulheres presas no Brasil, 68% delas foram detidas por crimes relacionados ao tráfego. Na maioria dos casos, sem qualquer vestígio de violência ou grave ameaça a terceiros. Grande parcela das presas brasileiras se encaixam nas condições previstas pelo HC coletivo de relatoria de Lewandowski. Mesmo com esse alto índice entre a população carcerária, apenas 32% das instituições destinadas ao acolhimento de mulheres no Brasil possuem berçários. Somente 5% possuem creches. Nos estabelecimentos mistos, sequer existem espaços de cuidados para as crianças.
Na ocasião da relatoria, o ministro apresentou uma pesquisa realizada pela Universidade de Harvard que concluiu que as sociedades que protegem as crianças e mães em estado de vulnerabilidade, são mais desenvolvidas, saudáveis e, inclusive conseguem diminuir a criminalidade entre essa parcela da população.
Então, no entendimento de Lewandowski, seja sob uma ótica de Direitos Humanos, seja por uma política utilitarista, a segregação cautelar dessas mulheres não acrescenta em nada nessa sociedade. Ao contrário, só contribui para o aumento da criminalidade. Então, a prisão domiciliar nesses casos seria adequada, suficiente para a proteção do processo.
Habeas Corpus coletivo se estende às mulheres em condições semelhantes
O ministro, ao conceder o Habeas Corpus, estendeu a decisão a todas as mulheres, não só as relacionadas ao Depen, mas a todas as mulheres que estejam na mesma situação. Sendo assim, diante da brilhante fundamentação do ministro, esse intenso trabalho de pesquisa não me resta outra alternativa senão considerá-la com muito juízo, pois priorizou direitos fundamentais e entendeu que a mulher e a criança não podem sofrer o ônus de uma instituição prisional deficitária. Já a prisão domiciliar protege a mulher, protege o processo e protege principalmente a criança, que vai poder crescer em um ambiente familiar e saudável.
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Excelente artigo! Importante destacar que os pedidos relacionados a prisão domiciliar baseado na cotaminação do preso por Covid-19 se insere nos requisitos do artigo 318, inciso II, do Código de Processo Penal.
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I – maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV – gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
(Revogado)
IV – gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
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Oi, Gabriel! Agradecemos por ajudar a complementar ainda mais este artigo! 🙂