Tem ouvido falar muito no seguro garantia, mas não sabe a sua origem? Gostaria de saber mais sobre sua trajetória legal até chegar no seu atual momento de popularidade? Então você está no lugar certo!
O presente artigo visa demonstrar o surgimento do seguro garantia e detalhar a sua regulamentação no Brasil, visto que este produto levou cerca de 50 (cinquenta) anos para, finalmente, ganhar o seu espaço.
Durante o século XIX, o governo americano superou a marca de inadimplência de cinquenta milhões de dólares, em virtude de contratos de execução de obras públicas. Deste modo, surgiu a necessidade de criar algum mecanismo para mitigar novos prejuízos.
Assim, em 1894, o congresso americano implementou o chamado “Heard Act”, regulamentando o uso de fiança para garantir os contratos de execução de obras públicas. Posteriormente, em 1935, tal regulamentação foi substituída pelo “Miller Act”, diploma responsável por preceituar a matéria até os dias de hoje.
Debruçando-se no ordenamento jurídico brasileiro, verifica-se que a primeira aparição do seguro garantia foi em 1966, contudo, o produto demorou a se consolidar no país, visto contar com concorrentes mais populares e não possuía a sua devida regulamentação.
Diante deste cenário, a primeira menção ao seguro garantia foi feita através do decreto-lei 73/1966, que criou a obrigatoriedade do seguro para incorporadores e construtores de imóveis, no entanto, por falta de regulamentação do Conselho Nacional de Seguros Privados, a medida não foi adotada.
Num segundo momento, o decreto-lei 200/1967, incluiu o seguro entre as modalidades de garantia admitidas pelo poder público, entretanto, o mesmo era imperceptível. Posteriormente, este decreto foi substituído pelo decreto-lei 2.300/1986, mas, conforme anteriormente, o seguro passara despercebido, vez que possuía concorrentes mais populares, como, por exemplo, a caução.
Ademais, passados alguns anos, entrou em vigor a lei de licitações, lei n° 8.666/1993, porém, diante de um desdobramento político, o Presidente da República da época, vetou os dispositivos que tratavam do seguro garantia, retirando toda sua regulamentação do diploma legal.
Em seguida a celeuma foi dirimida, realocando o seguro às possíveis modalidades de garantia aos contratos públicos, através da lei 8.883/1994, todavia, os produtos concorrentes se mantinham no mercado, corroborando para o não acolhimento do produto, vez que a escolha da modalidade, era encargo do contratado.
Até 2003, o seguro garantia fazia parte do rol de garantias extrajudiciais, visto que, só era possível utilizá-lo nesta via. Contudo, neste mesmo ano, surgiu a primeira regulamentação do seguro garantia judicial, veiculados através da Circular 232/2003 da Superintendência de Seguros Privados e a lei n° 11.382/2006.
Em se tratando da Circular 232/2003, esta determinava que o seguro garantia poderia ser utilizado para substituir os eventuais depósitos judiciais que o tomador viesse a necessitar, sendo a apólice, limitada ao valor da garantia.
Três anos depois, a lei n° 11.382/2006, foi sancionada para alterar o Código de Processo Civil de 1973, possibilitando a substituição da penhora pelo seguro garantia.
Em seguida, foi a vez da lei de execuções fiscais, lei n° 6.830/1980, sofrer as alterações por meio da lei 13.043/2014, que admitiu a oferta do seguro garantia para as eventuais execuções fiscais.
Por fim, sancionado o Novo Código de Processo Civil de 2015, lei n° 13.105/2015, equiparou-se o seguro garantia ao dinheiro, para fins de penhora. Pode-se afirmar que, antes da previsão do CPC/ 2015, havia uma resistência no que tange a adoção do produto, no entanto, foi verificada uma mudança que conferiu o desenvolvimento do seguro.
Assim, a partir do Código de Processo Civil de 2015, o seguro garantia conquistou o seu lugar, regulamentado como oferta de garantia, até, na esfera trabalhista, por meio da lei 13.467/2017.
Atualmente, o seguro garantia é regulamentado pela Circular n° 477/2013 da Superintendência de Seguros Privados, tendo ampliado as atribuições deste produto, visto que anteriormente, só poderia ser utilizado para substituir os depósitos judiciais e, atualmente, cobre todas as despesas advindas do processo judicial.
Neste sentido, vale colacionar o art. 4° da Circular supramencionada:
Art. 4º Define-se Seguro Garantia: Segurado – Setor Público o seguro que objetiva garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado em razão de participação em licitação, em contrato principal pertinente a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, concessões ou permissões no âmbito dos Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou ainda as obrigações assumidas em função de:
I – processos administrativos;
II – processos judiciais, inclusive execuções fiscais;
III – parcelamentos administrativos de créditos fiscais, inscritos ou não em dívida ativa;
IV – regulamentos administrativos.
Parágrafo único. Encontram-se também garantidos por este seguro os valores devidos ao segurado, tais como multas e indenizações, oriundos do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador, previstos em legislação específica, para cada caso.
Diante da simples análise do dispositivo anterior, verifica-se que, com o passar dos anos, o seguro garantia ganhou forma regulamentar e, hoje, após 55 (cinquenta e cinco) anos, é admitido para garantir o fiel cumprimento das obrigações não só relacionadas ao poder público, mas em toda e qualquer esfera.
Sem dúvidas, o que impulsionou a adoção deste produto foi o Código de Processo Civil de 2015, quando equiparou o seguro garantia com o pagamento em espécie, visto que esta é a forma preferencial não só pelos tribunais, mas também para o credor.
Outro ponto de suma importância que conferiu popularidade ao seguro garantia, foi o impacto da pandemia do novo coronavírus nos cofres públicos e na economia mundial em geral, visto nascer a necessidade de criar soluções financeiras para acudir às empresas, sendo uma delas, a substituição do dinheiro garantido em juízo pelo seguro garantia.
Além disso, desde que as pessoas físicas e jurídicas entenderam que através do seguro garantia, não é necessário desprender o valor da obrigação outrora firmada, percebeu-se que este produto era a melhor modalidade de garantia.
Assim, o seguro garantia é uma derivação dos seguros tradicionais e, embora integre o grupo de riscos financeiros da Superintendência de Seguros Privados e seja um negócio jurídico de âmbito coletivo alicerçado em um fundo que assegura os riscos futuros de perda, ele vem sendo aceito de forma expressiva para substituições de depósitos em dinheiro.