Com certeza você já ouviu alguém falar ou leu em alguma notícia uma situação em que alguém se tornou proprietário de um bem que havia sido abandonado pelo seu dono ou então que conseguiu um terreno, que não era seu, e depois de cuidar dele durante um tempo, conseguiu regularizar e transferir a propriedade para o seu nome.
Essa é uma situação um tanto polêmica, que é muito comum quando se trata de bens como casas, terrenos e veículos, tem um termo dentro do universo jurídico: usucapião.
Ele gera muitas dúvidas sobre até que ponto é legal tanto na questão da lei quanto da ética e moral da sociedade.
Neste artigo, não vamos falar sobre sua legalidade e o que é justo ou não, mas sim trazer um panorama geral para você sobre o que é usucapião, seus tipos, requisitos e como pode ser solicitado. Confira!
O que é usucapião?
O usucapião é um instituto do direito que está afirmado pela Constituição Federal, no Art. 5º, XXIII onde estabelece que “a propriedade atenderá a sua função social”.
O que isso quer dizer? Significa que nenhum bem privado deve ser e permanecer abandonado sem que tenha uma função adequada ou então um destino final.
Baseado nisso, entendemos a aplicabilidade e legalidade do usucapião. Ele tem como objetivo estabelecer um direito sobre um bem móvel ou imóvel através do seu uso, configurando ao objeto uma função social.
Em outras palavras, o usucapião é uma forma de tomar posse pelo uso de qualquer coisa, como uma casa, carro, animal, terreno, atividade econômica etc.
Para que você entenda de uma forma mais prática o que é o usucapião, imagine a seguinte situação:
Você é proprietário de um carro e não o estava zelando pelo bem da forma correta. Para não o deixar parado, você o emprestou para um amigo.
Esse amigo pagou IPVA, seguro e outras contas relacionadas ao veículo e utilizou ele durante 3 anos, sem que você, como dono, questionasse sobre a devolução.
Um belo dia, você resolve pegar esse carro de volta e esse seu amigo não concorda. Afinal, ele deu uma função para o carro, cuidou de todas as contas e do bem móvel durante todo esse tempo como se fosse dele.
Como ele utilizou por 3 anos e com a finalidade de trabalhar ou beneficiar os seus familiares, ele entrou com uma ação judicial para usucapir esse carro, que você emprestou.
Mas além do tempo, ele também precisará comprovar que ficou na posse do objetivo durante esse tempo e apresentar um documento ou situação que mostre que ele é “dono” do carro, mesmo que realmente não seja.
Caso o período de uso atinja ou ultrapasse 5 anos, não será preciso comprovar a boa-fé ao usar o veículo.
Além do proprietário do imóvel e do possuidor, também estão envolvidos nessa questão e serão acionados judicialmente, caso seja necessário, os seguintes indivíduos:
- Um usufrutuário ou outro que tem algum direito sobre o bem;
- Quem tem seu nome na escritura como proprietário;
- Vizinho de muro;
- O poder público.
Entenda os tipos de usucapião
Quando se fala do instituto do usucapião, o artigo 1.238 do Código Civil de 2002 determina que existe uma divisão para bens imóveis (casas, galpões, terrenos, prédios) e bens móveis (carros, armários, motos, equipamentos eletrônicos etc).
Agora vamos falar sobre como funciona o usucapião em cada uma dessas divisões.
Usucapião de bens imóveis
Usucapião extraordinária
Essa modalidade está prevista no artigo 1.242 do Código Civil que determina que é possível entrar com um pedido de usucapião extraordinária de um bem imóvel quando:
- Você usa o imóvel por no mínimo 10 anos;
- O proprietário não se opõe à posse.
Um outro ponto importante a reforçar, é que esse período de 10 anos pode ser diminuído para 5 anos caso tenha sido feitas obras no bem ou então tenha alguma atividade produtiva.
Usucapião ordinária
A usucapião ordinária está regida pelo artigo 1.242 do Código Civil e dispõe que é possível solicitar um pedido de usucapião se:
- Uso do imóvel por no mínimo 10 anos;
- Tenha um justo título (documento que comprove a transmissão do bem) e boa-fé;
- O proprietário não se opõe à posse.
O mínimo de tempo requerido para entrar com o pedido de usucapião ordinária, é com 10 anos ininterruptos de posse.
Mas esse tempo pode ser reduzido para 5 caso o bem seja moradia de quem deseja usucapir ou tenha sido feito um investimento, social ou econômico, no local.
Usucapião especial rural
Presente no artigo 191 da Constituição Federal e no artigo 1.239 do Código Civil, tem direito a pedir usucapião rural caso:
- O terreno tenha no máximo 50 hectares;
- Esse imóvel seja moradia ou local produtivo;
- Uso do imóvel por no mínimo 5 anos contínuos;
- Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
- O proprietário não se opõe à posse.
Usucapião especial urbana
O usucapião urbano como o próprio nome já diz, refere-se a bens imóveis localizados em centros urbanos.
Essa classificação está prevista no artigo 183 da Constituição Federal e no artigo 1.240 do Código Civil cujo determina que pode ser solicitado uma ação de usucapião urbana caso:
- Imóvel de até 250m²;
- Uso do imóvel por no mínimo 5 anos contínuos;
- Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
- O proprietário não se oponha a posse;
- Esse imóvel seja moradia dele ou de familiares.
Usucapião especial coletiva
Essa modalidade foi definida pelo Estatuto das Cidades e refere-se a uma forma de regularizar imóveis para a população de baixa renda.
O bem, que precisa ter uma área superior a 250m², será dividido igualmente pelo número de ocupantes do terreno. Para solicitar usucapião especial coletiva, é preciso:
- Ocupar um imóvel com área superior a 250m²;
- Não ser possível identificar e delimitar qual é o terreno ocupado por cada um dos moradores;
- Usar o imóvel por no mínimo 5 anos contínuos;
- Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
- O proprietário não se oponha a posse;
- Esse imóvel seja de moradia da pessoa ou de familiares.
Usucapião especial familiar
Prevista no artigo 1.240-A do Código Civil, o usucapião especial familiar é cabível em casos de divórcio, onde uma das partes abandonou o lar. O artigo prevê:
“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
Resumindo, para solicitar usucapião familiar é preciso:
- Um dos moradores viver em um imóvel urbano de até 250 m²;
- Que a outra parte não se oponha a possa;
- Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
- Usar o imóvel por no mínimo 2 anos contínuos;
- Utilizar o imóvel para moradia;
- Haja abandono de lar pelo ex-cônjuge.
Usucapião especial indígena
Prescrito no artigo 33 do Estatuto do Índio, o usucapião indígena tem um funcionamento semelhante com a usucapião extraordinária e rural.
Nessa modalidade, se o utilizar de terras com tamanhos inferiores a 50 hectares, por pelo menos 10 anos contínuos, ele terá direito a usucapir esse terreno.
Usucapião especial de bens móveis
Usucapião especial ordinária
Prevista no artigo 1.260 do Código Civil, permite a reiteração de propriedade do bem móvel caso o possuidor tenha:
- Justo título do bem;
- Boa-fé;
- Posse contínua por 3 anos.
Usucapião especial extraordinária
A usucapião extraordinária de bens móveis prevê que é permitido a aquisição da propriedade caso cumpra haja posse contínua de pelo menos 5 anos.
Nesse tipo de usucapião, não é preciso comprovar a existência de justo título e boa-fé.
Por não precisar do justo título, essa modalidade pode ser requerida em casos em que a posse seja decorrente de diversos meios, inclusive roubo.
Existem alguns casos em que não é possível usucapir o bem. São eles:
- Usucapião não pode aplicado onde a pessoa que é possuidora tenha conhecimento de que não é proprietária e só está cuidando do bem (exemplo: caseiros e locadores);
- Em casos de bens móveis ou imóveis públicos;
- Bens em que o dono cuida corretamente, ou seja, paga todas as custas necessárias e administra de acordo com a lei.
Quais são os requisitos para solicitar usucapião?
Como você pôde ver no tópico anterior, existem duas classificações gerais, bens móveis e imóveis, e dentro delas existem tipos de usucapião com suas respectivas configurações legais para aplicabilidade.
Mas de forma resumida e semelhante entre todos, é preciso que o possuidor:
- Tenha um tempo mínimo ininterrupto de uso;
- Que não haja pedido de devolução por parte do proprietário do bem;
- Que exista boa-fé na posse.
Além desses itens, existem alguns outros requisitos que precisam ser cumpridos. São eles:
- Posse com intenção de dono: a posse do imóvel por parte do possuidor não pode ser aplicada em caso haja contratos de locação, comodato, depósito ou usufruto. É preciso que haja a intenção de ser proprietário do bem sem que haja um documento comprovando a “propriedade temporária”, podemos dizer assim.
- Posse mansa e pacífica: assim como dito ao longo deste artigo, é preciso que o proprietário do bem não tenha contestado a permanência do possuidor nela. Caso haja essa oposição, não será possível caracterizar usucapião.
- Posse contínua e duradoura: é preciso que haja ocupação de forma contínua de acordo com o que é estabelecido em cada modalidade. Caso o possuidor tenha ocupado o imóvel no tempo determinado do imóvel de forma pausada, ou seja, no período de X anos ele chegou a desocupar o imóvel não será possível configurar usucapião.
Agora que você entendeu quais são os requisitos para solicitar o usucapião, é hora de falarmos como é possível fazer isso.
Como entrar com o pedido judicial de usucapião?
Quando não há oposição da parte proprietária do bem, é preciso ir apenas ao cartório para fazer o pedido e regularizar o processo para se tornar o legítimo proprietário.
Agora, nos casos em que há disputa do bem, é necessário realizar um processo judicial para definir.
Nestes casos, possuidor do bem e que tem a intenção de ser dono deve procurar um advogado experiente e especialista em direito civil para que seja solicitado um pedido de usucapião e assim, declare-o como proprietário.
Por ser um assunto complexo, o processo acaba sendo longo e pode envolver diversas pessoas para que o juiz toma uma decisão como: vizinhos, familiares, credores e outros que podem comprovar quem era o responsável por administrar e zelar pelo bem.
Se o proprietário original ganhar, o possuidor perde o direito de usucapir o bem e será feito um alinhamento sobre a questão de uso dele.
Caso o juiz dê a sentença declare que o possuidor deverá ser o dono, será feita uma ação declaratória e emitido um ofício para o Cartório de Registro de Imóveis da cidade com o objetivo de realizar a transferência de propriedade.
Documentos necessários para solicitar usucapião
Abaixo listamos alguns documentos e comprovantes que são necessários para solicitar usucapião extrajudicial.
- Assinatura da planta pelos envolvidos;
- Certidões negativas em nome do interessado em possuir, do seu cônjuge ou companheiro, dos possuidores anteriores e seus cônjuges ou companheiros e do proprietário e seu cônjuge ou companheiro;
- Justo título ou documentos que atestem a posse;
- Ata notarial atestando a posse;
- Planta e memorial descritivo do imóvel.
Em caso de usucapião para imóveis rurais, é necessário:
- Cadastro Ambiental Rural (CAR);
- Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR);
- Certificação de não sobreposição dada pelo Incra.
Existe algum impedimento para solicitar usucapião via judicial?
O que muitas pessoas que desejam usucapir um bem, móvel ou imóvel, não sabem é que há algumas situações, que independente do possuidor cumprir todos os requisitos já citados neste artigo, podem interferir no processo de usucapião.
As causas que podem ser configuradas impeditivas ou suspensivas para a ação de usucapião, são:
- Entre cônjuges, no decorrer do matrimônio;
- Entre ascendente e descendente, durante o poder de família;
- Entre tutelados e curatelados e seus tutores e curadores, durante a tutela e a curatela;
- Em casos onde um dos envolvidos seja absolutamente incapaz de exercer os atos da vida civil;
- Na ausência dos pais em serviço público da União, dos Estados, ou dos Municípios;
- Em caso de que um dos envolvidos esteja servindo no exército nacionais;
- Pendendo condição suspensiva;
- Não estando vencido o prazo.
Como fica o usucapião extrajudicial no Novo CPC?
Com a atualização do Código de Processo Civil, ocorreram algumas mudanças na questão de usucapião de bens móveis. A motivação foi facilitar a resolução por meio de vias extrajudiciais, ou seja, sem a necessidade de mover um processo.
Para você entender quais foram essas mudanças, separamos aqui na íntegra do CPC, os itens atualizados e o que eles estabelecem.
“Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
- ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
- planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
- certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
- justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel”.
Usucapião em imóvel de herança é possível?
Essa é uma questão que gera muitas dúvidas e a resposta é sim, um bem imóvel pode ser usucapido por um dos herdeiros.
Por exemplo: a avó faleceu e diante dos seus bens, ele tinha uma casa que está ocupada por uma de suas filhas, que é responsável por cuidar da casa e também pagar todas as contas e impostos.
Esse imóvel está descrito na herança e será dividido entre todos os herdeiros. Neste caso, a filha que mora e administra a casa poderá entrar com pedido de usucapião.
Apesar de ser um tema complexo e aberto a muitas interpretações, o instituto do usucapião é de extrema importância para a Constituição, uma vez que visa dar uma função social a um bem e até regularizar situações que podem beneficiar outras pessoas que não são donas, como no caso de terrenos e moradias.
O que você achou do nosso artigo sobre usucapião de bens móveis e imóveis? Te ajudou a esclarecer suas dúvidas sobre o assunto? Conte para nós nos comentários.
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Amei. Muito bem explicado.
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Muito Obrigada Leonice, ficamos feliz com o seu feedback.